sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sobre a adaptação

Tendo falecido Thomas Mann no ano de 1955, suas obras, a partir de 2005 (cinqüenta anos após sua morte), passaram a domínio público, podendo ser editadas ou adaptadas sem ônus decorrentes de direito autoral. Sendo seus textos, no entanto, editados originariamente em língua alemã, os direitos das obras traduzidas passam a pertencer a seus tradutores.

No Brasil, a obra Mario und der Zauberer não teve tradução direta do alemão, sendo traduzida apenas do francês (Mario et le Magicièn), por Claudio Leme, em edição da década de 1970 pela extinta editora Artenova e mais tarde publicada pelo também extinto Círculo do Livro.

(primeira edição. editora fischer)


A Companhia Ganymedes tentou por diversas vezes entrar em contato com o senhor Cláudio Leme e/ou obter notícias sobre ele, mas não teve sucesso na empreitada. Foram contatados a Fundação Biblioteca Nacional, a SBAT, a Editora Nova Fronteira (publicadora da maioria dos livros de Mann no Brasil), o Instituto Goethe, as áreas de estudos de alemão (literatura e tradução) da USP e da UFRSC, além de outros órgãos.

Assim, na busca de evitar possíveis problemas relacionados a direitos autorais sobre o trabalho empreendido pelo senhor Cláudio Leme, em nossa montagem tentamos nos aproximar o máximo possível de uma livre adaptação, aproveitando basicamente o argumento do texto original.

Ressaltamos o ineditismo do texto Mário e o Mágico nos palcos brasileiros — atentando ainda para o fato de ser rara a presença de Thomas Mann em adaptações teatrais.

(cartaz para versão cinematográfica da obra de thomas mann)

Em nossa adaptação, na busca da condensação necessária para a tradução dramática, fundimos personagens, mas tentamos manter a natureza alegórica do original de Mann, buscando resultar em um espetáculo polissêmico, uma vez que é característico da alegoria o poder ser lida de diversos modos: uma alegoria não é enigmática, pois é característico dela o estar ao alcance de muitos — pode ser vista em sua superfície, em sua fábula; pode ser escarafunchada, caso esteja sendo lida por um leitor com escafandro. Sua interpretação depende do arsenal do leitor.[1]

(edição atual de "mario und der zauberer")

Uma alegoria, basicamente, é uma espécie de metáfora estendida, uma conjunção de elementos representativos que termina por nos dar um texto que significa algo que vai mais além dele mesmo. Algo que não precisa ser necessariamente distinto, mas algo além, algum desdobramento horizontal — pelo elenco dos elementos — que termina por ser também vertical — pela riqueza semântica, pelo aprofundamento na(s) questão(ões) presente(s) no texto.

(uma das litografias de paul wunderlich para a obra de thomas mann - 2004)

Assim, deixamos no palco de O Mágico personagens que cremos serem possibilidades frente ao manipulador. O narrador do conto de Mann tornou-se personagem, juntamente com sua esposa (ambos numa fusão de outras personagens). E a José (o Mário da obra original e aqui também uma fusão), demos a natureza do artista — tão presente na obra manniana —, tirando-lhe da mão o revólver com que matava Cipolla (o mágico) em Mário e o Mágico. Fizemo-lo por querermos também aí alegorizar: sendo ele um artista, “mata” o manipulador com sua sensibilidade — a ele é dado borrar a máscara da mentira; a ele é dado tirar o véu, trazer à tona o sob o pântano. Como sói acontecer com a arte.

(cipolla, por paul wunderlich - 2004)



[1] Ótimo estudo sobre a alegoria é o trabalho Alegoria: teoría de um modo simbólico, de Angus Fletcher. Madrid, Akal, 2002.

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